Eu sou a menina morena que anda na rua, só E que se abriga na praça quando a chuva forte vem Aquela que usa o vestido, presente da velha avó E traz carregada na boca o amargo que a vida tem Eu sou a menina insegura que dorme no papelão A moça que sente vergonha na rua e no sinal Aquela que foge em silêncio pesado no coração Olhando a cidade tão cinza na vida de marginal Mas se à margem da sociedade eu estou Quem será um dia capaz de pensar Que tive família, um povo e irmãos Na terra sagrada, chamada de lar? Até que um dia disseram a meu pai Que o povo e o rio se podiam comprar Que tudo na vida possui um valor E o pior perigo é não aceitar Eu sou a menina morena que anda na rua, só Olhando as meninas bonitas que passam no calçadão Que olha do lado de fora os livros e os cafés Pois sempre através das vidraças recebe um sinal de não A moça que não foi à escola, não sabe ler e escrever Que vive agarrada naquilo que a avó chamava de fé Sentindo, por vezes, a fome e o frio que à noite vem Que sempre no dia seguinte retoma a marcha a pé Quem sabe um dia eu entenda o porquê Me olham com medo quando estendo a mão Se eles soubessem que não faço mal Se peço é porque cuido do meu irmão Se sinto vergonha não me leve a mal É que o meu sorriso não é como o seu Pois eu aprendi que o mundo é mal É o maior motivo do silêncio meu