Eu ainda era menino A primeira vez que vi Um cabocão lazarino Que nunca mais esqueci Chamava-se Tranca Rua Pois quando a vontade sua Era fechar a cidade Dava ordem pra trancar Mercado, bodega, bar Até a casa do pade Quatro, cinco, seis sordado Para ele era perdido Uns saía arrebentado Outros ficava estendido De forma que a cidade Não tinha tranquilidade No dia que ele bebia Pois quando se embriagava Dava a gôta, bagunçava E prendê-lo ninguém podia Tranca Rua era um cabôco Com dois metro de artura Os braço era aqueles tôco As perna dessa grossura Num tinha medo de nada Pois até onça pintada Ele sozinho caçava Pegava a bicha de mão Depois com um cinturão Dava uma pisa e matava E sei que criei-me escutando Falar do cabra voraz O tempo foi se passando E eu tornei-me rapaz Mole que só a mulesta Até pra ir a uma festa Eu era desconfiado Se acaso eu visse uma briga Tinha logo uma fadiga Ficava todo mijado Hoje quem olha pra mim Pensa até que eu tô inchado Pois eu nunca fui assim Naquele tempo passado Eu era um caba mufino Desses do pescoço fino Da cabeça chata e feia Na região que eu morava O povo só me chamava De caboré de urêia Por arte dos mangangá Um dia eu me alistei No concurso militar Apois num é que eu passei! Tornei-me então um soldado Magro fêi e infadado Nem cum revólve podia Porém se o chefe mandasse Prender alguém que errasse Eu dava a gôta, mas ia Uma certa madrugada Eu estava bem deitado Quando chegô Zé Buchada Com os ói arregalado Foi logo chamando a gente Depois deu parte ao Tenente Relatou o dermantelo Tranca Rua ontem brigou Portanto agora o senhor Vai ter que mandar prendê-lo O tenente olhou pra mim Eu chega tive um abalo Disse: Amanhã bem cedim Você vá lá intimá-lo! Disse isso e foi deitá Eu peguei logo a ficá Amarelo e mêi cansado Me deu uma tremedêra Eu digo: É a derradêra Viage desse sordado! E de manhã logo cedo Botei o pé no camim Saí tremeno de medo E conversano sozim Aqui acolá parava Fazia uns gesto ensaiava O que diria pra ele E saí me maldizeno Nove hora mais omeno Eu cheguei na casa dele Fui chegano com cuidado A porta tava fechada Ispiei assim pum lado Vi ele numa latada Tava dum bode tratano Eu fui me aprochegano Pra perto do fariseu Minha garganta tremia Eu fui disse assim: Bom dia! Ele nem arrespondeu Eu fui peguei conversano E me aprochegano mais E ele lá trabaiano Sem me dar nenhum cartaz Eu digo: Bonito dia Mas seu Antônhe, quem diria Que esse ano ia chovê? Eita que bodão criado É pra vendê no meicado Ou mode o sinhô comê? Ele foi olhô pra mim Eu comecei a surri Aí ele disse mermo assim Que diabo tu qué aqui? Eu fui disse: Não sinhô É que eu sô um caçadô Moro lá do pé da serra Me perdi de madrugada Não achei mais a estrada Vim saí nas suas terra Aí ele foi me interrogou Então cadê seu bisaco? Eu fui disse: Não, senhor Ah, sim! Caiu num buraco Aí ele disse: Sente aí Qui eu vô terminar aqui Mode dispois conzinhar E você chegou agora Portanto, só vai imbora Adispois qui armoçá Quando nós tava armunçando Ele pegô conversá E disse: Faz vinte ano Que eu moro nesse lugá Sem mulhé e sem parente Às vezes tomo aguardente Faço papé de bandido Eu sei que é covardia Mas, porém, no ôtro dia Fico munto arrependido Onte mermo sem querê Eu fiz umas presepada Pois comecei a bebê Cana com lambu assada Depois perdi os sentido Fiz o maió distampido Na fazenda de João Cunha Hoje me sinto com curpa Não vô lá pidi discurpa Porque estô cum vergonha Aí eu disse: É agora Que eu faço a minha defesa! Peguei a fera na hora Do momento de fraqueza E disse assim: Realmente O sinhô é diferente Quando tá embriagado Mas dêxe isso pra lá Que a vida vive a passá E o que passou tá passado Viu seu Antonhe, tem mais uma Eu nunca fui caçador Também estou com vergunha De tê mentido ao sinhô Eu sô um pobre sordado Que as orde do delegado Meu devê é dispachá Porém prefiro morrê Do que dizê a você Que vim aqui lhe intimá Se o delegado achá ruim Pode tirá minha farda Mas intimá seu Tohim Deus me livre, intimo nada! Nisso Antonhe se levantô Bebeu água, se sentô Depois pegô perguntá Qué dizê que o sordado Por orde do delegado Veio aqui me intimá? Eu fui fala, mas num deu Comecei a gagueja Nisso Antonhe olhô pra eu E disse: Pode se acalmá! Resolvi ir cum você Pra conversá e sabê O que qué o delegado Pois se eu num fô camarada Vão tirá a sua farda E eu vô me senti culpado E vamo logo simbora Enquanto eu tô cum vontade Mais omeno as quatro hora Fumo entrano na cidade De longe eu vi o tenente Assentado num batente Com uns caba a conversa Mas quando viu nós gritô Valei-me Nosso Sinhô Ispi quem vem acolá Eu só tô acreditano Porque meus ói estão veno Tranca Rua vem chegano Caboré vem lhe trazeno O cabra é macho demais! Nisso eu fui passei pra trás Mode chamá atenção E para me amostrá Inventei de impurrá Tranca Rua cum a mão Esse nêgo, camarada Ficô mêi infurecido Deu-me uma chapuletada Pru riba do pé duvido Que eu saí feito um peão Rodano sem direção Pru riba de peda e pau Graças a Virge Maria Acordei no ôtro dia Na cama dum hospital Não sei o que se passou Na hora que eu dirmaiêi Pruque ninguém me contô Eu também num perguntei Só sei que o delegado Inda hoje é alejado E que esse uvido meu Nunca mais iscutô nada Pur causo da burduada Que Tranca Rua me deu