Os moços de Porto Alegre Escritores, jornalistas Aqueles que sabem tudo Ou pensam que sabem tudo Disseram que já morreste Ou então que estás de a pé Sem cavalo, sem bombacha Sem bota, espora ou chapéu Sem comida e sem estudo Moços da voz de veludo E máquinas de escrever Produzidos no estrangeiro Dizem que tu, companheiro Morreste ou estás mui mal Porque o êxodo rural Te atirou pelas sarjetas Sujo de pó e de barro Catando à toa cigarro Nos becos da capital E no entanto, estás vivo! Estás vivo e trabalhando E produzindo o que comem Esses moços do jornal Quem é gaúcho, afinal? Tenho pra mim que são três Um é o peão, o assalariado O operário campeiro O segundo é o estancieiro O empresário rural O terceiro é o camponês Que se aguenta bem ou mal Sem ter nem peão nem patrão No mais, é um homem solito Um carreteiro, talvez São os homens de a cavalo Que agarram o céu com a mão Rasgando fronteira e chão Marcando terneiro a pealo Bebendo o canto do galo No alvorecer do rincão São três homens diferentes? No fundo, os três são um só Mesma fala, mesma roupa Mesma alma, mesma lida Em resumo, mesma vida Mesmo barro e mesmo pó Um mais rico, outro mais pobre Prata, ouro, lata ou cobre Que importam, se homem é nobre E amarra no mesmo nó? A bombacha que eles usam Tem um século, cem anos! Os arreios do cavalo São muitos mais veteranos Duzentos anos, talvez E o chimarrão, o palheiro O churrasco, o carreteiro O truco, a tava, as campeiras A gaita, o chote inglês? São dos séculos passados Já tinham em noventa e três E a mesma mulher gaúcha Inspira cada vez mais E a paisagem é sempre a mesma Eterna, mas sempre nova Do litoral à fronteira Da serra aos campos neutrais Das missões até o planalto Para frente e para o alto Como regiões naturais Do verde das sesmarias Até o ouro dos trigais As duas cores da pátria Que o Rio Grande esparramou Nas plagas meridionais Porque o Rio Grande é eterno Como é eterno seu luxo Tu não morreste, gaúcho Deixa que falem, no mais Deixa que o fraco de sempre (O fracassado, o vencido) Tente te encerrar no olvido Que o futuro lhe promete E que te chamem de Odete Os desfibrados morais No lombo do teu cavalo Estás tão alto, tão alto Que a lama preta do asfalto Não te alcançará jamais! Meu pai veio da campanha Com a mulher e dez filhos E veio para abrir trilhos Foi sempre um homem de bem Jamais andou mendigando Catando lixo nos valos Ou toco pelas sarjetas Não se esqueceu das carretas Nem do tranco dos cavalos Nasceu e morreu gaúcho Trabalhou e foi alguém E eu herdei seu evangelho Me orgulho daquele velho Eu sou gaúcho também!