Hoje é um dia bom pra se morrer... Pensou repentinamente, sentindo a alma nos olhos... Assuntou consigo mesmo na paz da varanda antiga... Segredou com o silêncio que lhe fazia costado. Hoje é um dia bom pra se morrer... Ruminou quieto ao balanço da cadeira Que lembrava o trote de um cavalo manso Recorrendo o céu dalguma sesmaria. Levantou, mirou o dia, Que contava histórias de um tempo velho No murmulhar da sanga, no bailar dos pássaros, No beijar do vento sobre as casuarinas... Matizou de sol as pálidas retinas E assistiu a paz lhe comover. Hoje é um dia bom pra se morrer... Virou-se para a porta da morada, Buscando o vulto da mulher amada Que nem a morte lhe fez esquecer. Mirou os frutos de uma vida bem passada... Os retratos de família sobre a estante E o sorriso da flor tão adorada Que aos poucos inundou o seu semblante. Estava ali a estância bem cuidada... A tropilha de mouros na mangueira, Mil cabeças de boi nas invernadas, E um suspiro, lembrando a vez primeira Que um filho chorou de madrugada. A filha, moça, preparando o mate, O filho, homem, sua cara e jeito... Um sentimento de missão cumprida Coroando uma vida em arremate. Eram os sonhos, sim, eternizados Junto à saudade de quem já partiu... Deixando amor e uma cruz plantada Feito dois braços acenando ao rio. Hoje é um dia bom pra se morrer... Fechou os olhos, num suspiro doce... Já tem os filhos criados, Não deve nada a ninguém... E já provou, pela vida, De tudo que a vida tem. O cachorro, companheiro, de confiança, Chega quieto e lambe a sua mão... A alma singra mares de distância Além do sol que incendeia a imensidão. Sente as plumas dos anjos, revoando, E uma canção divina ressoando Na calmaria do seu coração. Hoje é um dia bom pra se morrer... Abriu então os olhos mansamente E mirou, logo à sua frente, Uma luz, que fez sua alma florescer... Hoje é um dia bom pra se morrer, Mas não é o dia ideal... E saiu, puxando o neto num petiçote maceta... Viver é bom, afinal!!!