Cai mais uma tarde no lugar Janela aberta para bem-te-vis Telhados de rubis e colibris Eu sofro asas derramando o olhar Os sete anzóis da minha cicatriz Aonde ando ouço lambaris O galo brinca as cores de manhã A tarde veste cascas de maçã Atrás da moita tempo tudo vê Eu temo os seus abraços de punhal Espicho o dia de ele me perder Eu guardo o meu sossego no embornal O tempo está na ponta do punhal Engulo seco, fico branco assim Eu pulo e salto, o medo ri de mim O medo veste o seu capuz de sal O tempo trinca a pia batismal E trinca a madrepérola missal Só vem rasteiro, anda sempre assim O tempo é lodo, é parede abissal O boi balança o dia devagar O dia cai e quebra a telha do curral Do rio vem o rio desigual O tempo soma sombra e temporal A pedra espanta os anjos do vitral Céu arrebenta a bolha do luar A tarde cai, ouro cai do altar O tempo é noite e dia sem parar A noite é estrela de uma luz escura O olhar segura a escuridão no ar A noite busca a noite na fundura O tempo cai da altura, vem buscar E tudo quanto existe vai girar E todo céu o seu e o meu lugar E tudo dobra e tudo vai curvar O tempo é "multitudinoso mar".