Eu não sou da paz, não sou memo Paz é coisa de rico Eu não visto camiseta nenhuma, não, senhor Não solto pomba nenhuma, não, senhor Não venha me pedir para eu chorar mais, secou A paz é uma desgraça Carregar essa rosa boba na mão, nada a ver, vou não Fazer essa cara chapada, não vou rezar Eu é que não vou tomar praça no meio dessa multidão A paz não resolve nada, a paz marcha Para onde marcha? A paz fica bonita na televisão Viu aquela atriz no trio elétrico? Aquele ator? Se quiser, vá você, diacho Eu é que não vou atirar uma lágrima A paz é muito organizada, muito certinha, tadinha A paz tem hora marcada Vem governador participar, senador, prefeito, vereador, deputado, jogador, vou não Paz é perda de tempo, e o tanto que eu tenho para fazer? Arroz, feijão, mistura, arroz e feijão Meu juízo já não tá bom, sabe como é? Sem disposição, sinto muito A paz não vai estragar o meu domingo A paz nunca vem aqui no pedaço, já reparou? Fica lá vendo um bando de gente nessa fila demente A paz é muito chata, a paz é uma bosta, não fede nem cheira A paz parece brincadeira, coisa de criança Tá aí uma coisa que eu já nem tenho mais, esperança A paz é muito branca A paz é uma madame que nunca olhou na minha cara A paz é pálida, ela precisa de sangue, eu já disse Não quero, não vou a nenhum passeio, nenhuma passeata Não saio, não movo uma palha, nem morta Nem que a paz venha me buscar na minha porta Não abro, não deixo entrar A paz está proibida, proibida A paz só aparece nessas horas onde a guerra é transferida Nessas horas a cidade inteira se organiza pra pedir paz, viu? Rezar nesse inferno eu já rezo, amém Eu que não vou acompanhar andor de ninguém A paz que eles almejam sabe o nome de alguma das trinta mil crianças palestinas mortas? A paz sabe quantos Yanomamis morreram no governo anterior e nesse também? A paz chora pelas crianças com uniforme de escola mortos no caminho do colégio no Rio de Janeiro? Essa paz chora por pessoas da minha cor? Sabe de uma coisa? Eles que se lasquem, caminhem a tarde inteira Porque eu já cansei, eu não tenho mais paciência, eu não tenho A paz parece que tá rindo de mim, saca? Com todos esses dentes estridentes, já reparou? Eu vou fazer mais o quê, parça? Quem vai ressuscitar meu filho? Quem vai ressuscitar os nossos filhos? Eu não vou levar a foto do menino para ficar exibindo lá embaixo a minha ferida, saca? Carregando na avenida a minha dor Marchar, ainda mais do lado de polícia Toda vez que eu vejo a foto dele, dá um aperto no peito Uma cegueira, um ódio, uma saudade, sabe? Um cisco no peito sem fim, uma dor Dor! Dor! Dor! A minha vontade é sair gritando, urrando Matando todo mundo Porque eu sinto dor, dor! Dor! Dor! Dor! Dor! Dor! Por mim, eu matava todo mundo, pode ter certeza Mas a paz é que é culpada, não sabe? Essa paz é que é culpada Essa paz é que é culpada Por mim, eu matava todo mundo, todo mundo Todo mundo, todo mundo Todo mundo Mas a paz é que não deixa A paz é que não deixa Parem de matar nossas crianças São nossos filhos Parem de matar nossas crianças São nossos filhos Pa-parem de matar nossas crianças Parem de matar nossas crianças A paz é que não deixa Essa paz é que não deixa (são nossos filhos) (no espelho, Ícaro me encarou) Quantas pessoas cabem na sua paz? Que tipo de pessoa cabe na sua ideia de paz? (Olhei no espelho, Ícaro me encarou)