Todo dia, o mesmo horário, 4:01, é o meu itinerário A mesma lotação, lotada de solidão, companheira da aflição, que sufoca meu coração Eu, um simples cidadão, imigrante nordestino Infelizmente, só eu e meu filho, fiquei viúvo, vendi tudo e vim pra cá Com a ilusão de que o Sudeste é o lugar, pra ficar rico? Aham, sei que não dá Eu só queria ver meu filho estudar, talvez se formar, quem sabe ser doutor Que foi o que faltou quando a mãe dele nos deixou 3000 mil quilômetros, fugindo dessa dor, mais de nada adiantou Olha pra mim, o que eu sou? Simplesmente refém do meu destino Não reconheço nem mesmo o meu menino, um estranho no ninho, assim é meu filho A tal da droga é mesmo coisa do diabo Vivemos juntos, porém separados, o abismo do crack é um obstáculo Difícil de transpor, mais tenho fé no meu Senhor, eu consigo atravessar Olho pra lá Vejo os brinquedos, começo a me lembrar Daquela cena, ele brincando no sofá com seu carrinho vermelho, daqueles de bombeiro Pra que bombeiro, irmão? Se não há nada nesse mundo capaz de apagar Quando a saudade vira fogo e começa a queimar Se eu tivesse o talento, se eu fosse o dono do tempo Eu mudaria tudo que já foi pra ser assim, outra vez nós dois Vamos ser outra vez nós dois, vai chover pingos de amor Pai, que saudades eu sinto! O tempo, tem hora que é inimigo Eu vejo as crianças, pessoas, o mundo, fico parado, imaginando o futuro Aqui é obscuro, ninguém é ninguém, só a pedra de crack me faz bem Eu, mal pra ser sincero, eu já nem sei ao certo, só sei que faço parte desse inferno É difícil pra mim, é complicado, ser escravo, servo do Diabo Trocar a noite pelo dia e vice-versa, pintar com sangue, maldade na tela da vida Pai, o senhor não imagina, o que é overdose de cocaína Como são as pessoas, sentindo pena de você, única regra: Matar ou morrer Sobreviver viciado é difícil, amor? Hã, impossível Não tenho compaixão, veja bem, por ninguém Pela droga, já roubei, já matei, já fiz mãe chorar, já chorei por dentro Fazer o que, truta? É só lamento Pai, me perdoa, eu não quis jamais te fazer infeliz Eu tô olhando a sua foto na carteira No coração a mágoa, a tristeza, o rancor, o ódio, o medo, eu não sei Talvez um amor pra me fazer um bem Se eu tivesse, enfim, o talento, se eu fosse, se pá, o dono do tempo Eu mudaria tudo que já foi pra ser assim, outra vez nós dois, outra vez nós, pai, outra vez nós dois Quando ser outra vez nós dois, vai chover pingos de amor Desesperado, não sei mais o que faço, meu filho desandado, dentro do barraco, é só desgraça Até a aliança da sua mãe virou fumaça Segundo domingo de Maio, comemorou tendo um ataque seguido de desmaio Meu peito arde Quantos moleques se matando pelo crack, e os traficantes nas mansões, nos Audis? Eu me refiro à alta patente, não a gente da minha gente, os guerreiros sobrevivendo, soldados do morro, estilo Zorro, defendendo seu reino, seu lar O capitalismo, consumismo leva o homem a matar, então vou confessar Tô disposto a mergulhar Vou acender uma pedra e viajar pro mesmo lugar onde meu filho está Quem sabe assim, ele consiga entender, que eu tô com ele pra viver ou morrer Que eu tô com ele, irmão, que eu tô com ele pra viver ou morrer Meu Deus, por favor, o que é que é isso? Me sinto um monstro, um lixo, em ver o meu Pai nesse estado, agonizando, alucinado, me olhando e chorando, dizendo pra não esquecer que me ama Eu sinto um nó na garganta Meu corpo treme, eu já não me controlo, no olhar, lágrimas, remorso A minha mente entra em colapso profundo Meu filho, eu te amo acima de tudo Palavra repetida que me toca, nesse momento, eu sinto nojo da droga Liberto pelo Pai, em todos os sentidos, não prevalece sobre mim o inimigo Vamos embora, pai, o senhor me salvou, no coração, acabou o meu rancor Vamos ser outra vez nós dois, pra chover pingos de amor, só nós dois, pra chover pingos de amor Vamos ser outra vez nós dois, vai chover pingos de amor