Eu era filha das Perdizes de batom e colar de pérola Formada em Letras de salto rotina de vida singela Tinha um noivo advogado um sofá de linho e chá às três Mas bastou teu olhar torto pra eu virar mulher de vez Tu me chegou com tua barba teus olhos de ressaca e fé Poeta de esquina e madruga com cachaça e papel na maré Me leu Drummond na calçada me beijou com gosto de jazz E eu moça criada em silêncio me despi no teu cartaz Fui morar num cortiço no Brás troquei laje por amor Deixei mãe deixei aliança levei só o cobertor Mas ganhei teus versos bêbados tua fome e teu calor E no barraco sem janela fui rainha sem pudor Na escola me chamam de louca jogou a vida fora olha aí Mas mal sabem que tu sem diploma me ensinou a resistir Enquanto escreves teus delírios e dormes com livro no chão Eu corrijo as provas da vida com giz e com paixão Tô prenha do nosso enredo vou parir samba e esperança Nosso filho vai crescer ouvindo Cartola e lembrança E se a água cortar a luz falhar se faltar arroz no fogão Teu abraço é o teto que me cobre de ilusão Fui morar num cortiço no Brás troquei tudo por prazer Me chamaram de perdida mas me encontrei em você Se amor não paga aluguel tua rima paga emoção E na laje do nosso afeto construí meu coração Deixei a vida pronta o vestido passado O sofá importado o futuro herdado Pra viver tua poesia improvisada no papel Porque entre o certo e o encantado Eu escolhi o céu Fui morar num cortiço no Brás e nunca fui tão feliz Teu poema virou berço teu beijo virou raiz E se um dia eu voltar à rua Augusta pra visitar É só pra mostrar pro mundo inteiro Que amar também é lecionar