Aquele cordeiro guacho Deitado ali no baldrame Salvei da corvada infame Numa tarde de garoa Andava berrando à toa Com poucos dias de idade Pois ficara na orfandade E ali com toda a certeza Ia ser a sobremesa De algum corvo sem piedade Logo que me viu coitado Correu direito ao cavalo Sou índio que não me abalo Mas me achiquei nesse dia Pois o pobre parecia Solito ali no varzedo Uma criança com medo Quando se perde dos pais Nem bem o peguei no mais Ficou chupando meu dedo Encarangado de frio Levei-o adiante pra o rancho Seguido por um carancho Que esvoaçava em mau agouro Depois o bico de couro A garrafa o leite quente Que ele chupou como gente Entre resmungos de choro Desde então esse guachinho É mais um filho que tenho E de manhã quando venho Chimarrear junto ao fogão Corre a me lamber a mão Se esfregando carinhoso Assim como piá mimoso Quando nos pede bênção Faz arte e estrepolias Qual o guri que não faz Pula pra diante e pra trás Quando seca a mamadeira Entra dentro da peneira Onde debulho a ração Sobe encima do tição E até me vira a chaleira E há os que não gostam de guachos Porque incomodam demais Talvez porque tendo pais Nunca lhes deram valor Ou desconheçam a dor Dos que ficaram sozinhos E andam campeando carinhos Nas mendicâncias do amor Eu não fui criado guacho Graças ao Deus soberano Mamei até o sobre -ano Sem misérias nem surpresas Porém conheço as tristezas Dos guachos sem lar nem teto E sei que a fome de afeto É a mais cruel das pobrezas E é por ter pena dos outros Que andam solitos na terra Que quando esse guacho berra Meu peito xucro se amança Pois eu sinto na confiança Que inspiro ao pobre borrego O mesmo anseio de aconchego Que tive quando criança