Na sombra de um bolicho à beira estrada Daqueles que, do mundo, se perdeu Encontra-se uma gente reunida À espera de um chamado de seu Deus Perfumes de bom fumo amarelido Paredes com suas almas penduradas Paciências de um lugar envelhecido E uma coragem de quem não tem nada Apeia um forasteiro: O que é da vida? Responde o bolicheiro: Está cansada A gente de bombacha anda esquecida Desiludida nos beirões da estrada Buscamos nossa terra prometida Um mundo pras crianças e pros velhos O sul que nós sonhamos, onde a vida Devolva o que branqueou nossos cabelos Mas cada ano, a seca de janeiro Precede um novo inverno de asperezas Parece que o destino do campeiro Não pode pedir mais que pão na mesa! E, aos poucos, o que diz o bolicheiro Se multiplica em vozes pelo ar E volta a se calar-se o forasteiro Junta o violão no peito pra cantar -Já vi quase de tudo em minha vida A séculos que ando pela estrada Vi a morte sobre a terra prometida E a vida sobre a terra abandonada Vi um homem pondo fogo na colheita Enquanto outro semeava num deserto Já vi perto o que, ontem, era um sonho E, longe, vi o que sempre fora certo Um povo sonha Deus a sua imagem E Deus devolve a terra a cada povo Moldada no trabalho e na coragem Que o povo usou pra levantar o sonho Aqui é nosso inferno e paraíso A vida é uma planta por cuidar A que morrer por ela se preciso O sul, somente o sul pode salvar! Assim, falou pro povo o forasteiro Depois montou e, envolto num clarão Sumiu emoldurado pela tarde Bem como o Sol dissipa a serração Uns dizem que mais alto do que os cerros Ele segue abençoando esse rincão Mas muitos acreditam que essa gente Ouviu a voz do próprio coração O certo é que, um a um, se foi às casas Por que havia uma planta por cuidar Arar a terra a cada madrugada Para a semente que há de germinar O homem faz seu Deus, que faz o sonho Um sonho azul maior que este lugar Na luz que vem dos olhos dessa gente O sul, um dia, se iluminará