Mais um fim de ano, ceia improvisada Na laje da quebrada, mesa ocupada Família simples, vida sem glória Dez e cinquenta por hora é a história Trampo pesado, salário ingrato Domingo e feriado, o esforço é fato A mãe, menina, só catorze de idade Carrega no ventre a dura realidade Sem escola, sem apoio por perto E o pai do menino sumido, incerto Pensou em aborto, com medo, sem chão Mas na igreja foi só olhar de reprovação Sorrir ou chorar? A dúvida no olhar Tomou coragem, e decidiu enfrentar A dor chegou forte, parto de emergência E com o filho vem a dor da ausência Ela se vai, o bebê resiste Mas o avô no quarto mal existe Era seu sonho, um menino enfim Mas o choro apagou o começo do fim A felicidade virou cicatriz Com a partida da doce menina Beatriz Longe se vai, sonhando demais Mas onde se chega assim? No meio da dor, vou resistir Eu, caçador de mim No breu da vida, vou insistir Eu, caçador de mim No luto e no caos, só se ouvia lamento O tempo parou no século sofrimento Perder quem ama é como afundar Num mar de silêncio que não quer cessar O tempo passou, o vazio e só aumentava A pobre criança, cresce completamente rejeitada O choro do neto, ninguém ouve mais Só existe dor, felicidade ficou para traz Na panela, comida pouca, sobra coração A avó cuida, pede ajuda em oração Ela que cuida, ela que ensina Mesmo cansada, não desanima Na quebrada o tempo é mais severo Querendo ou não, você tem que tá esperto O menino cresce, carente de afeto Mas aprende a andar com o peito aberto Sem mãe, sem pai, sem norte Só resta o instinto, só sobra a sorte Enquanto o avô se entrega ao fracasso Lamenta a vida, perde cada passo O moleque cresceu, a vizinhança tem medo Levantou uns panos, tá cheio de dinheiro Dizem que atua em um tal tribunal Mas, não anda de maleta, nem terno e tal Longe se vai, sonhando demais Mas onde se chega assim? No meio da dor, vou resistir Eu, caçador de mim No breu da vida, vou insistir Eu, caçador de mim Sem apoio, sem rumo, só os próprios pés Aprendeu na marra o valor da fé Moleque na pista, visto como perigo Mas ninguém quer saber do que tem vivido Quer dançar, amar, sentir o calor Mas o sistema só devolve rancor O que ele faz? Ninguém quer saber O que ele tem? Todos querem se meter O mundo o julga por roupa e aparência Mas não vê que esse menino não teve infância Em cada esquina, uma chance negada Em cada olhar, uma porta trancada Mas ele resiste, sonha e acredita Mesmo com o mundo pisando na sua vida Quem sou eu? , pergunta no fim Na alma ele grita: Sou caçador de mim! Longe se vai, sonhando demais Mas onde se chega assim? No meio da dor, vou resistir Eu, caçador de mim No breu da vida, vou persistir Eu, caçador de mim