Moro numa casa inacabada Feita de terra molhada Com o céu às cavalitas Entra, mas desculpa a confusão; Anda tudo pelo chão, Não contava com visitas Comigo mora gente tão diferente Que às vezes, pontualmente, Só falamos por sinais; Cada um tem na sua bagagem Um bilhete de passagem Pelos pontos cardeais Na sala, uma velha cartomante Lê ao cavaleiro errante Um destino vencedor; As cartas falam de perdas e danos Para, no correr dos panos, Encontrar o seu amor Ao fundo, dorme um soldado sisudo Com umas botas de faz-tudo E uma paixão de aluguer; O bêbado que está no quarto ao lado Chora sempre em tom de fado O amor de uma mulher Aquela que tem o corpo na esquina Diz que também foi menina Há-de um dia ser feliz O homem que a usou pelos quintais, Como é norma entre iguais, Compreende o que ela diz Em cima fica o quarto dos amantes, Dos poetas, viajantes E dos loucos sem lugar; Pintaram um baloiço na janela Com a luz de uma aguarela Para a lua baloiçar Assim somos vizinhos de outras crenças, De outros livros e sentenças Outras formas de oração; Mas quando a noite traz os seus momentos Escapa destes aposentos Um bater de coração Revela-se a verdade nua e crua: Chove mais do que na rua Trago o fato ensopado Aqui qualquer um é vagabundo, Esta casa é todo o mundo Falta só pôr o telhado