Eu, homem imperfeito Caminho entre gigantes Nunca encontrei alguém que se declarasse fraco Todos os rostos que cruzam o meu caminho ostentam glórias invisíveis Grandes feitos que ecoam sem testemunhas Histórias de coragem que ninguém presenciou Vitórias proclamadas por vozes que nunca tremem E eu, que tropeço nos meus próprios passos Que às vezes vacilo diante da palavra certa Que duvido de mim mais do que deveria Vejo-me cercado de heróis inabaláveis Eu, que tantas vezes estive à margem Que tantas vezes fui engolido pelo silêncio Que já temi a luz por medo de que ela mostrasse minhas falhas Que tantas vezes me vesti de sombras para não ser notado Pergunto-me se sou o único que carrega cicatrizes que ardem Quantos já vacilaram e admitiram sua queda? Quantos já erraram sem se esconder atrás de desculpas brilhantes? Quantos já sentiram o peso do fracasso sem transformá-lo em lenda? Não vejo mãos erguidas, não ouço confissões O mundo inteiro parece ter nascido certo Ter caminhado reto Ter conquistado sem tropeçar E eu, que já me calei quando devia ter falado Que já falei quando o silêncio era ouro Que já temi ser julgado e, por isso, não ousei Que já deixei passar oportunidades por puro receio Olho ao redor e só vejo príncipes Figuras de mármore impenetrável Inimigos do erro Imortais diante da dúvida E, no entanto, quando as portas se fecham Quando os olhos do mundo não os vigiam Será que suas armaduras se desfazem? Será que suas mãos tremem? Será que os reis deste mundo não passam de homens nus? Caminho entre gigantes de papel Entre estátuas de cera que brilham sob a luz mas derretem ao calor Entre vozes que se erguem seguras, mas que ecoam vazias E eu, frágil como sou Imperfectível, falível Carrego ao menos a certeza de que sou feito de carne Quantos já se permitiram ser tolos sem fingir que não foram? Quantos já admitiram ter medo sem vestir um escudo dourado? Quantos já se perderam sem fingir que conheciam o caminho? Sinto-me estrangeiro entre aqueles que nunca erram Entre aqueles que nunca hesitam Entre aqueles que nunca se perdem Se nunca tropeçaram, como aprenderam a caminhar? Se nunca se perderam, como sabem o que é o norte? Se nunca caíram, que valor tem o chão sob seus pés? Não há fraqueza nos lábios dos homens que encontro Não há dor nos olhos dos que me fitam Não há falha em suas histórias E eu sou o único a carregar o peso da minha humanidade De que vale um mundo sem rachaduras? Onde há espaço para a verdadeira força Se não há nada a ser superado? Se todos são reis, onde estão os súditos? Se todos são perfeitos, onde está o humano? Se ninguém se envergonha, como sabem que já foram pequenos? Ah, como invejo aqueles que não sangram! Como invejo aqueles que nunca erraram Aqueles que nunca temeram Aqueles que nunca hesitaram diante da própria sombra Mas será que existem mesmo, ou são apenas reflexos distorcidos Ilusões projetadas por um mundo que exige máscaras? Eu, que já engoli palavras por medo de errar Que já desisti antes da luta começar Que já senti a vergonha que arde no peito Sei que minha história é feita de tropeços E se isso me faz menor diante dos imortais Ao menos sei que sou real Sou o erro que ensina Sou a queda que fortalece Sou o silêncio que observa Sou a hesitação que amadurece Sou a confissão que liberta Se é fraqueza ser humano Se é tolice ser imperfeito Se é absurdo admitir o medo Então prefiro ser tolo Prefiro ser fraco Prefiro ser ridículo Porque no fim Quando as máscaras caírem Quando os heróis se despirem de suas lendas Quando os príncipes estiverem sozinhos diante do espelho Eles verão o que eu já sei há muito tempo Somos todos feitos de carne e falha E é justamente isso que nos torna reais