Comprei um campo, preciso ir vê-lo Como assim? Comprou sem ver? Vai ver de noite? Sim, me desculpe E aí outro vai dizer Comprei cinco juntas de boi Preciso prová-las Comprou um equipamento De alta tecnologia sem testar? Vai fazer isso no meio da noite? Sim, me desculpe E ainda outro vai dizer Me casei não posso ir Esse nem pede desculpa É a pior das mentiras Não vai pra festa porque se casou? Ora, casar-se não é exatamente A maior razão pra se ir a festas Em nossa cultura? Noivas recém-casadas costumavam Vestir-se com as roupas de suas bodas Por um ano inteiro Em todas as festas que podiam Você está em festa Por isso não vai pra festa? Não faz sentido, é patético, não faz sentido A vida convida todos os dias e ainda assim Com as mais absurdas desculpas A gente se afasta da festa Como se estivéssemos todos debaixo De um terrível acordo tramado nas sombras A esposa do lado, uma festa para se celebrar O filho no quarto, uma festa pra sorrir A cidade e seus sons, seus rios O mar convidando uma moça grávida Festa explodindo diante dos olhos O vinho, o pão, o livro sagrado Encontro dos santos irmãos Tudo gritando, chamando pra ir Mas comprei um terreno Meu trabalho exige muito de mim Não posso celebrar a vida Comprei cinco juntas de boi A tecnologia me distrai Filmes demais, jogos demais Tudo de mais, não tenho tempo pra vida Me casei, minha família, meus filhos Precisam de mim, precisam de inglês Precisam de Enem, precisam descansar Não posso perder tempo Com banquete da vida, e assim A gente vai mandando aos montes Poliglotas, gabaritados pro inferno Que tragédia, não é mais engraçado Quando a piada é a respeito de nós O servo voltou e relatou isso ao seu senhor Então o dono da casa irou-se E ordenou ao seu servo, vá rapidamente Pelas ruas e becos da cidade E traga os pobres, os aleijados Os cegos e os mancos E assim no palácio eu me achei Eu entrei pela porta da frente Aqui o contador de história nos diz Que uma segunda lista De convidados é construída Essa lista deve ser convidada De uma forma diferente Enquanto que no Grupo A o servo deve dizer Venham tudo está pronto pra segunda lista O Grupo B o senhor ordena traga Essa palavra em seu sentido original Que nós foi traduzida como traga Aponta não pra um simples trazer Como alguém que diz segue-me não A ideia é que esta palavra evoca Exige contato físico, comprometimento físico Como se o senhor da festa estivesse dizendo Traga pela mão, venha guiando Se for preciso carregue no colo Se for necessário ponha em seus ombros Por que que pra primeira lista era um simples Venham e pra segunda lista traga Comprometa-se fisicamente? A resposta é obvia, os primeiros convidados Eram propícios se quisessem ir Tinham a roupa certa, sabiam o caminho Certamente possuíam cervos que os levassem até em carruagens ou nos ombros Mas os convidados da Lista B mesmo que Gostassem muito da ideia de ir Pra esse banquete incomum, entre Majestade e pobres, não eram capazes De chegar lá, alguns poderiam dizer Que lindo convite, mas eu não tenho Roupa pra ir a um lugar desses Outro poderia dizer Eu sou cego, eu nunca fui pra Aquelas bandas de cima Nunca estive em outros lugar Senão aqui no centro da cidade Esmolando e tateando com dificuldade E ainda outro poderia dizer Eu sou aleijado, como é que eu chego até lá É impossível pra mim Esse lugar não é pra gente como nós A gente não é apropriado Por isso o servo agora deve ser também guia Não apenas um proclamador desse banquete Mas alguém que se compromete fisicamente Com a causa, vai pegar alguns pela mão Vai vestir outros, vai carregar alguém Nos ombros, vai suar, vai cumprir sua missão Ao custo de seu próprio conforto E foi assim que no castelo eu me achei Eu entrei pela porta da frente O convite chegou até gente como nós Gente que não era propícia Mas foi propiciada, gente cega Guiada pela mão, gente incapaz de andar Carregada no colo, gente como nós Estrangeiros, alheios dessa notícia incrível Do banquete da Palestina O convite foi primeiro anunciado entre eles Mas virando as costas e fazendo pouco caso Do banquete, o senhor fervorosamente Envia os seus guias pra trazer a gente De longe pra dentro da sua história Quantos guias foram enviados Pelo mundo todo, quanta gente Se comprometeu fisicamente Financeiramente, emocionalmente pra que Gentios, forasteiros como nós, que jamais Andamos pelos palácios de Israel Não fazemos parte dessa história Nem pertencemos a esse espaço geográfico Gente distante, cegos, pobres Descontextualizados Gente como nós, ouvisse o convite Assim a gente foi carregado Até aqui, graças a Deus por cada um Desses guias, você se lembra dos seus guias? A maioria deles já morreu cê não sabe Nem os nomes dos homens e mulheres Que se comprometeram pra que esse livro Estivesse na sua língua, no seu colo E você pudesse ter o privilégio De festejar o banquete Mas tem alguns guias que Você sabe exatamente o nome, o endereço Cê sabe quem é que se comprometeu Com a sua travessia até aqui Quem te guiou na mão, cê sabe o número De telefone dessas pessoas e talvez Não as veja a tempo vai lá Talvez hoje Seja o dia, envia um WhatsApp e diz assim Ei, obrigado por se comprometer E me carregar até a festa, que Deus me ajude A fazer o mesmo por alguém Foi assim que no palácio eu me achei Eu entrei pela porta da frente