Na cidade onde moro amanheço escutando A cantiga dolente de um bem-te-vi Se os seus olhos vissem meus olhos chorando Ele ia cantar muito longe dali Seu cantar vai buscar o meu doce passado Que vem e retorna nas assas do vento parece fumaça de um fogo agitado Sufocando o ego do meu sentimento Pois ali não vejo o jacarandá Onde cantarolava o canário da terra Não vejo traíra no meu samburá E nem a lagoinha lá na pé da serra Não vejo perdiz na trilha do gado E nem as abelhas no pólen da flor Não ouço mugido de boi confinado Lá na passarela do embarcador Também não deparo com minha mãezinha Ralando mandioca no velho galpão Papai não debulha milho pras galinhas Nem trata dos porcos lá no mangueirão Do passado tenho somente a cantiga Desse passarinho simples forasteiro E a rara presença de alguma formiga Lambendo cimento sobre meu terreiro Chega de cantiga bem-te-vi grã-fino Chega de lembranças lá do meu sertão É triste viver nas mãos do destino Longe dos currais, boiada e peão Quando você canta volto a ser menino Depois vem o tranco da desilusão Assim você faz o meu sopro divino Morrer de overdose de recordação