Garoto nascido em barraco de zinco Do morro sem água de barro batido Que veste farrapo de roupa emprestada Que come alimento de feira acabada Garoto que pega rabeira de bonde Que corre, se esconde do homem fardado Garoto que dorme sonhando pecado E ler a cartilha do homem marcado Garoto que furta o comando da fome Que atende por Zé, por Tião, qualquer nome Garoto promessa de bamba no duro Garoto manchete de crime futuro Bem outro seria seu negro destino Que o morro onde vive tivesse outro norte Enquanto és criança, garoto, menino Enquanto é possível mudar sua sorte Olha aí Ai, o meu guri, olha aí Olha aí É o meu guri Quando, seu moço, nasceu meu rebento Não era o momento dele rebentar Já foi nascendo com cara de fome E eu não tinha nem nome pra lhe dar Como fui levando, não sei lhe explicar Fui assim levando, ele a me levar E na sua meninice ele um dia me disse Que chegava lá Olha aí Olha aí Olha aí Ah, meu guri, olha aí Olha aí, é o meu guri E ele chega Chega suado e veloz do batente E traz sempre um presente pra me encabular Tanta corrente de ouro, seu moço Que haja pescoço pra enfiar Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro Chave, caderneta, terço e patuá Um lenço e uma penca de documentos Pra finalmente eu me identificar Olha aí Ah, o meu guri Olha aí, olha aí, é o meu guri E ele chega Chega no morro com o carregamento Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador Rezo até ele chegar cá no alto Essa onda de assaltos tá um horror Eu consolo ele, ele me consola Boto ele no colo pra ele me ensinar De repente acordo, olho pro lado E o danado já foi trabalhar Olha aí Ah, o meu guri Olha aí, olha aí, é o meu guri E ele chega Chega estampado, manchete, retrato Com venda nos olhos, legenda e as iniciais Eu não entendo essa gente, seu moço Fazendo alvoroço demais O guri no mato, acho que tá rindo Acho que tá lindo de papo pro ar Desde o começo, eu não disse, seu moço Que ele disse que chegava lá Olha aí Olha aí Olha aí, ai, o meu guri, olha aí Olha aí, é o meu guri Meu guri É o meu guri É o meu guri Olha aí o meu guri Saudade é arrumar o quarto Do filho que já morreu Enquanto os homens exercem Seus podres poderes Morrer e matar de fome De raiva e de sede São tantas vezes Gestos naturais Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo Daqueles que velam pela cultura do mundo Indo e mais fundo Tins e bens e tais Será que nunca faremos senão confirmar Na incompetência da América católica Que sempre precisará de ridículos tiranos Será, será, que será? Que será, que será? Será que essa minha estúpida retórica Terá que soar, terá que se ouvir Por mais zil anos Será, será, que será? Que será, que será?