Família desestruturada adolescência roubada Terror dentro de casa, criança afugentada Salvador, Bahia, história triste e fria O choro vem pela noite e agonia à luz do dia Nove do cinco de um nove meia sete A história de horror se inicia e prossegue É real né novela ou história de Cinderela O fel desce pela boca e amarga a alma dela Né ficção nem soneto de Machado de Assis Vinte e quatro horas e a vida por um triz Só queria ser criança e ter uma infância feliz Mas a canção era um gemido e o diabo pedia bis Cresceu vendo o pai com várias mulheres Sua mãe não foi rainha nem princesa nem célebre Só colecionou sentimentos negativos No seu lar de pavor não tinha nada de atrativo O tio olho azul um monstro um bicho Fez ela se sentir um caco um lixo Abusou, machucou, feriu, estuprou Matou, matou só que não me sepultou Sempre carregava uma mochila com um tijolo Pra matar o tio se vingar daquele porco Que ceifou os sonhos com uma foice afiada Em sua vida restou só as cinzas e mais nada Das cinzas Deus me tirou Me apresentou seu amor Meus sonhos restaurou O refrigério chegou, minha vida mudou Lógico que eu queria só falar de flores Óbvio que eu queria cantar só meus amores Se pá no caldeirão cantar som do verão Dançar, formar um par no meio da multidão Não sei se o inferno subiu ou se aterra desceu Só sei que algo ruim me laçou me envolveu Como uma flauta triste solitária chorei Com a tristeza me embriaguei pra orgia me entreguei Agitada, frenética, droga sintética Maconha, álcool, foi embora a minha estética Homem ou mulher adolescência confusa Abusou me estuprou arrancou a minha blusa Me envolvi com comunismo, lesbianismo Prostituição era agora o meu convívio Lésbica ou sapatão como quiser Então eu só sentia atração por mulher Droga, sexo, revolta, medo, orgia Agonia, minha vida assim se resumia Sem ter pra aonde correr sem ter a quem recorrer Sentei no banco da praça deixei a droga me envolver Chorei ali sentada sozinha abandonada Eu só queria pelo meu pai ser abraçada No peito um vazio maior que o oceano Pela rua vou andando e alguém vai me xingando Das cinzas Deus me tirou E me apresentou seu amor Meus sonhos restaurou O refrigério chegou, minha vida mudou Meu conto é triste literatura negativa Assim eu pensava assim eu entendia Um violoncelo separado da orquestra Que eu me lembre meu coração nunca teve em festa Aos catorze anos me tornei alcoólatra Tentava driblar a angústia que devora Na praça da piedade ninguém teve piedade O poeta não enxergou minha gravidade Nessa altura eu já era lésbica assumida Que nem homem eu andava como rapaz me vestia Me agrediam na rua me jogavam objetos Pela a calçada lá vai a zumbi o dejeto Uma senhora me olhou com um olhar diferente Mexeu com meu espírito deu um baque na minha mente Fechou os botões uma a um da minha camisa E disse pra mim isso num é jeito de menina Através dela eu senti o amor de Deus Dentro de mim uma nova vida renasceu Dona zelita fez um convite me levou à igreja A voz de Deus dizia que eu era princesa Na pregação o pastor dizia que Deus é um pai presente O meu é diferente sempre foi ausente Eu senti que com um abraço Deus me envolvia Nesse momento do pó das cinzas eu renascia Das cinzas Deus me tirou E me apresentou seu amor Meus sonhos restaurou O refrigério chegou, minha vida mudou