O pai em casa era uma autoridade Dizia o que podia e o que não podia Determinava, o certo e o errado A voz do pai era uma voz sagrada Grave pausada para dar conselho Firme e bem forte para passar as ordens A voz do pai sabia contar causos Causos que ouvira o seu pai contar Era uma vez, e lá vinha uma história com bichos Que falavam, gente que voava, magos Poderosos e casas assombradas E a gente, criança inocente, galopava na Garupa da imaginação Quanta emoção a voz do pai nos transmitia Na hora da janta Ninguém se servia antes de ouvir o pai Rendendo graça E a família reverente, olhos fechados, ao fim Arrematava num amém E os versinhos que o pai dizia Ninguém sabia tantos quanto ele Eu sabia tanto verso Que sabia um saco cheio As formigas me bateram Me deixaram pelo meio E as vezes As vezes o pai cantava E o pai cantando era a cantiga mais linda que Eu ouvi Modinhas, hinos, ternos, oilarai E a filharada fazia coro E cada um, com a sua voz, queria imitar a Voz do pai A voz do pai tocava os bois na canga Barroso, cola branca, era boi E chamava o cavalo no potreiro: Ô, ô, ô, ô E atiçava o cachorro nos gambas Fiu, fiu, fiu, fiu, pega, pega, pega E os bichos. (até os bichos) Lá de casa Conheciam e obedeciam aquela voz A voz do pai tinha hora pra tudo Pra dar risada de um causo bem contado Ou para ralhar, se a gente desleixava Barbaridade Quando aquela voz trovejava Uma ameaça fazia a gente estremecer de medo Talvez Fosse melhor dizer: Respeito A voz do pai só nunca soube se queixar de Nada Gemer, até podia se a dor era muita Chorar, se permitia, pelo sentimento Mas um queixume, uma lágrima, uma Maldição Isso, jamais se ouviu na voz do pai É tão viva a lembrança que parece que ainda Ouço a tua voz meu velho E as vezes, quando falo com meu filho Dou rédea ao sentimento E o som que sai me faz escaramuçar o Coração no peito, pois ouço de mim mesmo A voz do pai