Chamaram de sombra o que não sabiam nomear Selaram a dúvida com fogo e cetro Quando o som fugiu dos corredores santos Construíram um altar pra silenciar Mas a batida sobreviveu nos ossos E onde queimaram o símbolo A rachadura virou boca E falou O tambor não reza O tambor não curva O tambor lembra O que fizeram calar Toca Mesmo rachado, toca Mesmo exilado, vibra O tambor é a língua esquecida Que ninguém traduziu, mas ninguém apagou Toca Mesmo em segredo, toca Mesmo no chão, respira O tambor é a carne sem dono E ela grita onde tudo mentiu Cobriram o vazio com pano sagrado Ergueram muralhas de palavras sem rosto Mas há um som que vive por trás do silêncio E treme quando chamam de falso o mistério O tambor é aquilo que não coube nos livros É o ritmo dos nomes varridos do templo É a fala sem templo O verbo sem dono O corpo que dança onde tentaram morrer Não há doutrina onde a pele se rompe Não há prece que apague o som antigo O tambor não serve vestes nem coroas Ele serve ao que arde no esquecimento Toca por tudo que chamaram de errado Toca por tudo que queimaram no escuro O tambor rachado ainda pulsa E o que pulsa é o que sobreviveu ao muro