Meu velho Rosa Nasci aqui e vivi nessa morada Criei meus filhos com a minha doce amada E trabalhava com prazer de Sol a Sol Com muita fé arava a terra onde plantava Colhia tudo que a família precisava E ainda guardava mantimentos no paiol E, ei Tempo bom se trovejava Ouvia o vento Que a, e, i, o, uivava Tirava leite e fazia uns queijinhos Curtia couro e trançava os meus laços Moía cana e fazia rapadura Era fartura o que eu tirava desses braços Como era bom levar os bois pelos trieiros Ouvindo o carro que cantava sem parar Era pra mim o mais famoso seresteiro Cantava triste só pra gente se alegrar Meu filho chamando a guia Era minha companhia que contente assobiava E, ei Tempo bom se trovejava Ouvia o vento Que a, e, i, o, uivava Era assim que vivia ali Naquele pé de serra Onde o mundo principia Aquilo tudo, ali, era nada Nas foi ali Na beira daquela aguada Que ele fez sua morada Construiu sua família Fez casa boa de telha Paredes com tijolos de barro Esteios de aroeira E até o piso era assoalho de madeira Onde já dançou muito catireiro bom Fez a cerca de arame Que separa os pastos Casinha de queijo, curral, paiol, chiqueiro, barracão Até o carro de boi, as cangas, os canzis, o cambão Tudo ali ele fez na mão Mas naquele tempo era bão A fazenda vivia cheia Tinha muito agregado que tocava a roça na meia Muita gente pra ajudar Também pra prosear Tirou um rêgo d'água que ele trazia sempre limpinho Onde o menino mais véio gostava de brincar Ali ele conheceu barquinho pra navegar Soltava ele lá na cabeceira da grota Ele vinha acompanhando ele rêgo abaixo Até chegar lá no rancho do monjolo Onde tem a bica do pau de buriti Era ali que o barquinho vinha cair De todas as benfeitorias que tinha feito O monjolo era o que ele mais gostava Pois os dois se pareciam Eles tinham a mesma mania: Trabalhavam sem parar Ele desde antes do amanhecer até depois que escurecia O monjolo pra parar ainda carecia de alguém lhe segurar Se deixasse por conta dele, ih Trabalhava dia e noite sem parar Pilando o arroz, o café Ou triturando milho pra fazer canjica ou fubá A água que caía da bica no seu cocho Pesava e ele subia Depois jogava aquela água fora E descia com toda força no pilão Sempre com aquela mesma cantiga Que a gente nunca cansava de escutar E sempre ali naquele mesmo compasso de breve Sem pausa, sem errar Sua mulher, êta mulher trabalhadeira E era também muito bonita Gostava de receber visita Eu mesmo ia muito lá Apreciava aquele frango com quiabo Que ela fazia no fogão de lenha Enquanto afogava o frango Ia me perguntando sobre a vida na capital Que que eu fazia pra viver E até queria saber Quando é que eu ia voltar Coisa que até hoje não sei responder Tô deixando a vida me levar Ela pegava aquele jacá cheinho de algodão Catava aquilo tudo, descaroçava, cardava Depois fiava as meadas bonitas Que ela tingia com sementes de urucum Passava raiz de sumaré Como era inteligente aquela mulher Ela pegava aqueles novelos depois Levava lá pro tear onde ela tecia Os cós de calça que ele usava Os baixeiro, as coxonia, as cobertas e tudo mais E sempre ali, jogando a tiradeira de um lado pra outro E alternando os pés nos pedais Cidade, só iam de vez em quando Pra visitar algum parente Ou quando faltava alguma coisa que precisavam comprar Mas iam e voltavam no mesmo dia E ele sempre dizia que aquilo não era lugar pra se morar Era lugar pra doutor Gente que nem o senhor, que precisava estudar Ou então pra quem não tinha mesmo força pra trabalhar É, mas o tempo passou, e hoje tudo mudou Veja só como é que tá Bom, o resto, vamos deixar ele cantar Com esse tempo os meninos foram embora Pra estudar lá na cidade, outra escola Por lá ficaram, já não podem mais voltar De vez em quando vêm aqui pra passear Só ficamos os dois velhos Na beira do ribeirão Companheira é a luz da Lua Que ilumina o chapadão Viver, amigo Rosa Se já era perigoso Ficou muito mais custoso Não se arranja nem peão Já não posso com mais nada Minha velha já nem fia Então a gente desconfia Que é o fim dessa meada E, ei Tempo bom se trovejava Ouvia o vento Que a, e, i, o, uivava Vou vender todo o meu gado Já não tenho atividade Vou deixar essa morada Vou-me embora pra cidade Meu velho Rosa, pras veredas lá do céu Só vou levar o que couber no meu chapéu Meu velho Rosa, pras veredas lá do céu Só vou levar o que couber Debaixo do meu chapéu E, ei Tempo bom se trovejava Ouvia o vento Que a, e, i, o, uivava