(Tum tu tum, hu, ei, hum) Ptryon, tá ouvindo essa porra, mano? Liga os olhos, abre o peito, cê tá na mira Herói de dia, carrasco de noite No jogo sujo quem sangra é a vida Acordei, lavei o rosto, joguei a camisa Rua quente, asfalto sujo, vejo a mira Fardado no beco, tá caçando um motivo Se eu olhar torto, já sou fugitivo Espada na cinta, diz que é herói Mas na viela algum corpo sem voz Na TV, justiça, na madruga, chacina Na real, cê corre ou vira estatística Spray de pimenta, gás na retina No rádio, aborda que é ficha Se não tem passagem, inventa um motivo Se correr, já era, negro bandido E aí, Ptryon, tu viu o que eu vi? Na viela, dois fardados sumindo com um pivete ali Diz que ele reagiu, que trocou tiro, mas quem caiu Foi só mais um menor de idade sem um fuzil De um lado, polícia, do outro, bandido No meio, a favela contando os sumidos Colete pra um, ponto 40 pro outro Pro cidadão, joelho no chão e sufoco Sobrevivi mais um dia, obrigado, Senhor Porque nesse tabuleiro, a peça sou eu Que porra, caralho, tô me sentindo acuado Falo baixo porque tenho filho do lado Se eu sumô, quem chora por mim? A justiça dorme e me apaga daqui Nasci na quebrada, criada no fluxo A vida me fez ter olhar de astuto Meus heróis eram vilões pra TV Racionais no fone, aprendi a viver Tava subindo o morro na noite passada Ouvi um estampido, cena apagada Menor de 17, peito aberto, chão de terra No caderno da polícia, era guerra Entende o que eu estou dizendo, Ptryon? Os viciados pagam, os fardados faturam Herói e bandido, vilão e polícia Mas no fim, quem morre sou eu na notícia De um lado, polícia, do outro, bandido No meio, a favela contando os sumidos Colete pra um, ponto 40 pro outro Pro cidadão, joelho no chão e sufoco Sobrevivi mais um dia, obrigado, Senhor Porque nesse tabuleiro, a peça sou eu A cena é censurada, quem viu já sumiu Quem fala demais vira lenda no Brasil Não sou MC BO, mas conheço o enredo Viver no gueto é andar no medo Quando me perguntam o que aconteceu Eu só balanço a cabeça e digo Eu? Não fiquei sabendo, não Tava dormindo Ouvi só barcos (Esse é o Brasil) Essa aí, Ptryon, é um manifesto de rua Cenário montado, só falta a batida A verdade é brutal, a favela grita E no fim do dia, a oração continua Obrigado, Senhor, sobrevivi mais um dia