MEMÓRIAS (Reginaldo Bessa) Coco dendê, coco sinhá Esse coco tá duro , tá bom de ralar Vovó me ensinava Histórias e cantigas da escravidão Rezava padre-e-nosso e ave-maria Falava de castigos e de assombração Segurava o terço, com lágrima nos olhos E com devoção Dizia: meu menino, essa vida é dura Precisa ter firmeza no seu coração Coco dendê, coco sinhá Esse coco tá duro, tá bom de ralar Quando o pai chegava A gente já esperava junto do portão Chegava tão cansado que já nem sorria Tirava em silêncio o velho macacão E num de repente, chamava para um canto Eu e meu irmão Dizia : meu menino, essa vida é dura Mostrava quantos calos tinha em sua mão Coco dendê, coco sinhá Esse coco tá duro, tá bom de ralar Mamãe não falava Calada como sempre junto do fogão Sorria de mansinho quando a gente vinha Pedindo tanta coisa, tanta explicação Ela só dizia: criança não tem nada Que entender do mal Pegava no pão duro pra fazer farinha Mandava todo mundo brincar no quintal Coco dendê, coco sinhá Esse coco tá duro, tá bom de ralar Quando a gente cresce E pensa nesses dias que tão longe vão Aprende que das coisas duras dessa vida O que machuca mais é a desilusão O pior de tudo Pior do que a lembrança de dormir no chão É ver tantos sorrisos escondendo pedras Sentir tantas mentiras apertando a mão