Cometi crime de amor à morte fui condenado Mas antes do cadafalso a um capitão fui chamado Que partia para a guiné e me prometeu perdão Se fosse numa galé e aceitasse a missão De à sorte ser Lançado na má terra do gentio Sozinho e abandonado durante meses a fio Entre o inferno e o algóz dançava meu triste fado Medi os contras e os prós e escolhi ser Lançado E assim fui embarcado até às costa da guiné E em terra fui deixado com biscoito medo e fé Com ordem de haver língua com todas as criaturas Saber das fontes do ouro e conhecer essas culturas Fui Lançado às feras o mato foi a minha casa Não havia primavera nem outono E era sempre um estio em brasa Venci as febres do mato e o veneno das cobras Cativo levei mau trato paguei pelas minhas obras Das gentes tornei-me amigo com artes que já nem sei E ao fim de muitos meses era visita dum rei Fiz-me amante de gentia com ela juntei fazenda A vida até já sorria feliz era a minha emenda O batel chegou um dia para saber se eu era vivo E nas areias da baía foi um encontro festivo Regressei a Portugal com ideia de ficar E ao infante contei tudo do que pudera indagar E tal foi o meu sucesso que el-rei me deu perdão Mas mandou-me de regresso e eu não pude dizer não Fui Lançado às feras o mato foi a minha casa Não havia primavera nem outono E era sempre um estio em brasa Mandou-me o senhor infante em companhia de abade Que baptizou toda a gente e aumentou a cristandade Que boa colheita de almas! Disse de contente o papa Ao vêr as chagas de Cristo a tomar conta do mapa E em paga dos meus serviços ali fui feito feitor E eis tudo o que passei só por um crime de amor Fui Lançado às feras o mato foi a minha casa Não havia primavera nem outono E era sempre um estio em brasa