Carolina de Jesus Quando breu, escreve luz Já me pus aos pés da cruz a pedir perdão Por todos que julgavam rebeldia Mas gozavam privilégios de nascer da cor do dia Hoje a reparação tem a minha exclamação Inspiração retinta Bitita frente aos ecos do açoite Quem assina a autoria é Maria cor da noite Adjetivei a minha história Pra mudar a oratória e reescrever meu nome A caricatura sem o lenço Emoldura o contrassenso De quem nunca teve fome Em versos eu falei com Deus Ensinei aos filhos meus O alfabeto da alforria É o povo quem dita o vocabulário Conduz o meu dicionário À Casa de Alvenaria Fiz da arte um papel resistente Dei ao lixo o valor de sonhar Escrevi pelas mãos do indigente Onde a pena não se cansa de lutar Fui censura vestida de prosa Um livro que toca a ferida Palavra que o asfalto não lia Mostrou que a favela existia Desafiei a vitrine do erudito A miséria foi um grito Do meu Quarto de Despejo Na parede branca da clausura Meu retrato é um prato cheio Contra a podre estrutura É verbo que sangra na carne da rua Clarão da justiça onde a noite é crua A dor e a glória que a Tijuca traduz Em poesia (Carolina de Jesus!)