Mais uma vez o despertador
Levanta logo cedo o trabalhador
Tira ele do seu sonhar
Pra lembrar que ele tem que ganhar
Dinheiro na mão é só papel
Criação do homem, capitalismo cruel
Trabalha de pé, o segurança seus Zé
Servindo o seu patrão
Que arrecadou só na semana meio milhão
E o seu desejo? Seu sonho, só lamento
Bom dia, só o cumprimento
Vários tentaram fugir disso, eu também quero
Mas de onde eu sou, a minha chance é zero
Será que eu ouço meu coração?
Ou será que eu caio em aceitação?
Como os meus irmãos
Que acham que trabalhar não é escravidão
Casar com aquela mina
E seguir a mesma sina
Trabalhei uns dias menos, outros dias mais
Tanto faz, os salários são iguais
Trancado no escritório não vejo o dia passar
Olho pro relógio, meu tempo vai acabar
Homem é homem, mulher é mulher
Com um salário diferente, né?
Machismo toda hora, ajoelhou, tem que rezar
Humilhação até na hora de trampar
A cada humilhação, uma pessoa, um sonho
Um coração feliz e risonho
Quebrado como vidro, uma joia valiosa
De infância feliz e esperançosa
Solidão, rotina, não pensa, não diz
Trabalho, aceitação, fez o que o sistema quis
Misture tudo isso e pronto
Fez mais um pobre e infeliz
Lamentos de um sofredor, em páginas
Marcadas com lágrimas, queria ser um corredor
De campo, sonho de jogador
Mas me rendi ao sistema, meu irmão
Só mais um trabalhador
Afinal, eu preciso honrar
Os meus pais e orgulhar
Trabalho me honra e me protege
É isso que o sistema rege
Tic-tac, o tempo tá passando
O relógio com a caneta na mão passa voando
Acorde, meu bem, olhe dentro do trem
Veja quem é quem, tudo igual, na moral
Com o celular na mão, distribuídos no vagão
Com raiva do patrão, só mais um cuzão
Pensando por quê? Qual o seu propósito?
Contas, aluguel, em depósito
Não, não é, a sua vida tem mais valor
Que ter um celular e trabalhar atrás do computador
Hoje o dia tá lindo, saiu um Sol
Deveria estar na rua, jogando futebol
Mas meus companheiros estão tudo na batalha
Bater uma bola foi só mais uma falha
Falta de apoio e oportunidade
O sonho de jogador cai por terra nessa idade
Tranca em uma cela bem fechada
E mata à vontade sábado na pelada
Onze e meia, meio-dia, no Sol
O energético é o canabidiol
Quantos foi, quem sabe não conta
Fuma vários beck até a ponta
É o remédio do doente
Que abandonou o sonho pelo presente
Ai, moleque, corre atrás do seu
Não espera cair do céu
Não fique amarrado
E vem tentar a sorte no mundão sagrado
A vida é sofrida, ninguém sabe o futuro
Essa é a realidade do lado de fora dos muros
Aqui quem manda é Lúcifer
Que ama te ver sofrer
Mas no mano a mano, ele é só mais um
Janta ele e deixa morrer de jejum
Na vida todo mundo é igual
Todos vivendo uma vida irreal
Vai de você sonhar ou viver
Pião de firma tem um monte na quebrada
Na vida é só mais um e mais nada
Quem sonha é o seu patrão
Que lucrou mais um milhão
E deu um salário mínimo pra cada
Na última semana neguinho quis se demitir
Mas lembrou do filho que está por vir
Pensou na ideia e voltou
Tem o mesmo sangue, mas olha a sua cor
Mais um ano, patrão, de abuso, servidão
Daqui nove meses nasce mais um
Pro sistema, o comum
Aí, neguinho, vem cá, para pra pensar
Lembra que é vocêque tem que mudar
Nem um puto no bolso, miséria fundo do poço
Trabalha o dia inteiro e deixa os menor
A mina grávida de mais um, ó só
Pense bem, viemos e voltaremos ao pó
Muda pra aqueles papo foda
Aqueles que incomoda
É, o mundo roda, faz ele girar
Presta atenção, já já seu moleque tá aí
Tem que mudar, tem que sair
Bater de frente com o sistema, não tem pá, não tem pum
Sim, em pleno século vinte e um
Finta todos, um por um
Amanheceu com o Sol, sextou
Tudo funcionando no sistema, show
De madrugada meu pai sentiu um calafrio
Da cama levantou e a janela abriu
Chuva forte tem todo verão
Enchente de novo, mó tiração
Dignidade é o que todo pobre quer
Viver em paz e com a sua fé
Se o assalariado quiser ser alguém
Primeiro ele tem que deixar de ser o refém
Água na altura da cintura, o vida dura
Graças a Deus, amém
Parou de chover, só perdeu uns móveis, tá bem
Mas a indignação se mantém
Mandam assistência social pra quem?
Isenção do IPTU?
Ha-ha, quem que eu mando tomar no
Era a brecha que eu queria
Avisa o CAPS, chegou o mais louco, vigia
Se depender de mim, um só homem
Morto de fome de caviar e champanhe
Até porque feijão com arroz é especialidade da minha mãe
Sistema homicida, formou mais um gênio
Foda-se vocês e os seus prêmios
O pobre é descartável no Brasil
Como copo plástico, PET e bombril
Periferia lotada é o que o sistema sempre quis
Mão de obra barata, é a força motriz
Será que alguém vai me apoiar?
Nem sei por onde começar
Estou sozinho, a esmo
Mas te garanto o final não vai ser o mesmo