Eu vou lhes contar em versos o que ninguém se deu conta
Pra que entre de ponta a ponta na alma de quem compreende
Principalmente os que vendem depois de velho cansado
Sangrando o lombo pisado daquele que lhe defende
Eu me refiro ao cavalo que neste mundo moderno
Depois de velho invernam pra vender pro saladeiro
A ambição pelo dinheiro faz com que a alma apodreça
E o sentimento escureça traindo o fiel companheiro
Falo eu, por que aqui mesmo um carroceiro vizinho
Criou cinco ou seis negrinhos no lombo de um alazão
Puxando inverno e verão tijolo, pedra e areia
E lhe dando em lugar de aveia, jornal e sal por ração
Os anos foram passando algo que tudo consome
A fraqueza, miséria e fome lhes transformou-se em carcaça
E não é que por desgraça um circo de diversão
Com tigre, pantera e leão armou-se abaixo da praça
Na frente tinha uma placa e escrito com letra a mão
Cavalo, burros e cão se compra e paga no ato -
Não é que aquele mulato mais fera que o próprio leão
Vendeu o pobre alazão por vinte mil, o ingrato
Hoje ao vê-lo pela rua se apoiando num bastão
Já velho sem ilusão, cansado sem serventia
Lembrando da covardia, de seu gesto desumano
Por trair quem tantos anos lhe deu o pão de cada dia