DGD
Pobre menina, tão acidentada sina
GBmAG
Encontrada numa esquina, numa cestinha de palha
EA
Em Lourizela, nas traseiras da capela
GAD
Como cria de cadela sem santinho que lhe valha
DGD
O padre Alfredo velho, cobarde e azedo
GBmAG
Não é tarde nem é cedo, despachou a desditosa
EA
Por este meio, foi na volta do correio
GAD
Numa mula sem arreio enviada pra Murtosa
AGD
A dona Otília que ninguém nem dela queria
F#7BmAG
Viu na curiosa cria, cura para a solidão
EA
Deu-lhe uma sopa, e de alguns restos de estopa
GAD
Fez-lhe carapins e roupa e uma cama sem colchão
DGD
Ao ver aquela tez de cravo e de canela
GBmAG
Deu-lhe o nome Gabriela (Dava a cara com a careta)
EA
Mas sua beleza em brasa, em chama acesa
GAD
Pegou fogo à redondeza como o bafo do capeta
DGD
E a inocente um pobre meio rei de gente
GBmAG
Muito recatadamente, espairecia a sua mágoa
EA
Com um rádio velho boca de batom vermelho
GAD
A cantar em frente ao espelho as canções da Lena d'água
AGD
Lobos malvados, velhos loucos reformados
F#7BmAG
Mexericos, maus olhados das beatas da igreja
EA
Mal via a hora de arrancar dali para fora
GAD
Sem deixar rasto, ir embora ver o mundo, ver Estarreja
DGD
Sem pé de meia teve uma brilhante ideia
GBmAG
Decidiu pedir boleia e só parar em Paris
EA
Sem carteira, lá foi sem eira nem beira
GAD
E nem sequer viu a fronteira não chegou nem a Sanfins
DGD
E em Valpaços com alma em mil pedaços
GBmAG
Entreteve-se nos braços de um magala de alcafache
EA
Pediu boleia a um pelintra de Gouveia
GAD
Que a mandou sair em Seia e nunca mais olhou para trás
AGD
Sem armar giga cantou-lhe uma cantiga
F#7BmAG
Deixou-a de barriga e arrancou sem dar sinal
EA
Sem dois tostões deu por ela aos trambolhões
GAD
Junto ao porto de Leixões com uma filha e um ucal
DGD
Sacou dinheiro a um velho engenheiro
GBmAG
E escondeu-se num cargueiro que rumava à capital
EA
Chegou-se à proa e quase achou que a vida é boa
GAD
Ao ver as luzes de Lisboa lindas como num postal
DGD
Entre destratos, desaforos, desacatos
GBmAG
Varreu escadas, lavou pratos, numa tasca do Cacém
EA
Entregou-se a um tratante de Pedrouços
GAD
Saído dos calabouços que a deixou sem um vintém
AGD
No Intendente tropeçou numa vidente
F#7BmAG
Que jurou que mais à frente, a sorte havia de sorrir
EA
A cartomante uma velha de turbante
GAD
Intuiu pelo semblante um futuro a reluzir
DGD
Na luz da vela, viu a luz de Gabriela
GBmAG
Com direito até à estrela no passeio de Hollywood
EA
Em poucos dias por misteriosas vias
GAD
Cumpriam-se as profecias mais certeiras que o talmude
DGD
Nessa semana foi pra América, fez fama
GBmAG
Privou com a Primeira Dama, levou a filha ao Hawai
EA
E em Gouveia passa um louco, volta e meia
GAD
Que blasfema e cambaleia e garante que é o pai
AGD
E na Murtosa o padre faz menção honrosa
F#7BmAG
Festa, missa, pompa e prosa que hoje é feriado local
EA
Em Lourizela há uma estátua em honra dela
GAD
Aqui nasceu Gabriela o grande orgulho nacional
DGD
Em Lourizela, bem de frente para capela
GBmAG
Para sempre Gabriela como quem diz ah pois é
EA
E o engenheiro confere o bolso traseiro
GAD
Vê que lhe faltou dinheiro e volta para Leça a pé