Marretando rima, quebrando esses paradigma
Tanta história revoltante que chega a me indignar
Me ame ou me odeie
Trago desconforto
Cês quer viver no conforto e nóis, quer uma vida digna
Vou contar uns episódios que dá até uma minissérie
Primeira que eu me lembro foi lá na segunda série
Quando a gente é criança não se tem entendimento
Mas já sentia na pele um diferente tratamento
Tinha poucas amizades, andava com a Mariana
Minha aliada do primeiro, lembrava uma indiana
Um certo dia aconteceu uma situação
Que foi tão desagradável, nos deixou sem reação
Tinha rolado uma festinha, não recebemos convite
Desde cedo já existe pessoas que nos evite
Do nada uma aluna chega e fala
Vocês não foram convidadas pra festa da Clara
Porque você é preta e a Mariana é gorda
Num tom maldoso, nem se preocupou em fazer sala
Crianças educadas por adultos, cuidado!
Estamos ensinando os nossos a se defender
Na infância, chorei tanto, engoli vários insultos
Não levo mais desaforo se alguém vir me ofender
Pois vai se arrepender!
Hoje eles querem calma
Depois de nos causarem vários traumas
Agora entendo por que cresci retraída
Por todas as vezes que eu já fui excluída
Por muito pouco eu não me afoguei em mágoas
Nesse mar de gente, era só um peixe fora d'água
Marretando rima, quebrando esses paradigma
Tanta história revoltante que chega a me indignar
Me ame ou me odeie
Trago desconforto
Cês quer viver no conforto e nóis, quer uma vida digna
Se fosse só comigo, tava bom
Mas isso já é rotina pra quem tem a cor marrom
É doce, mas não é bombom
Ter a pele preta às vezes é amargo
A nossa vida é muita treta
Nos tratam sempre como subalternos
Difícil aceitar ver um preto
Ocupando um cargo de liderança
Meu mano NP doutor
Evita usar terno no shopping
Pois sempre acham que ele é o segurança
Estudando virava as madrugada
Passou de cara na OB, se tornou advogada
Mas no escritório era vista como a secretária
No fórum, adivinha? Era a mera estagiária
A cada caso que recordo, não tem como
Me revolto e vejo o quanto vocês são ridículo
A Ale só passou a ser chamada nas entrevistas de trampo
Quando tirou sua foto do currículo
Pra nós é desconforto e pra vocês tanto faz
Falam que é vitimismo pra causa diminuir
Pra essas madame branca, somos só serviçais
É um velho clichê
O problema não é ser confundida como atendente
É que vocês não querem ver uma Shirley pra presidente!
Marretando rima, quebrando esses paradigma
Tanta história revoltante que chega a me indignar
Me ame ou me odeie
Trago desconforto
Cês quer viver no conforto e nóis, quer uma vida digna
Se a vida não tá fácil pra ninguém
Imagina pra quem a pele escura tem
Então nem vem me falar que tá tudo bem
Nem vem que eu não trago desconforto pra quem?